Capítulo 02
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Capítulo 02 – Um conto sombrio (2)
Tradutor: TiagoRK
Revisor: Mysphinx
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Adeshan de Arkalucia.
A Grande General Imperial que reinava sobre um exército de um milhão de homens, e a Duque de Arkalucia.
Uma heroína que salvou inúmeras vidas com pensamento e ação rápida durante o ataque dos gigantes.
Mas agora, diante dos olhos de Ronan, ela estava esvaindo, dilacerada como o brinquedo de um cachorro.
****
”Grande General Adeshan”.
Ronan franziu a testa. A condição de Adeshan era insuportável de se ver.
Seu uniforme manchado de vermelho estava rasgado e esfarrapado, perdendo a funcionalidade de cobrir seu corpo. Seu braço, rasgado de maneira bagunçada, ainda escorria sangue.
“Ronan… um cabo, certo?”
Adeshan lutou para levantar a parte superior do corpo, apoiando-se na parede. Seus olhos cinzentos, lembrando as cinzas dos caídos, fixaram-se em Ronan.
“Qual é a razão para isso?”
”Espere, deixe-me perguntar primeiro”.
Depois de várias respirações profundas, Adeshan falou.
“Ahaiyute…?”
“Eu o matei.”
“Você tem certeza?”
“Tem um corpo não muito longe daqui.”
“É mesmo?”
Adeshan torceu os lábios. Uma única lágrima rolou por baixo de sua bochecha suja. Olhando para o céu, ela murmurou com a voz fraca.
“Ele está morto.”
Fazendo uma careta enquanto forçava as pernas para apoiá-la, Adeshan levantou-se. Ronan rapidamente correu até ela e a apoiou.
“Obrigada.”
“Era algo que precisava ser feito.”
“Eu não tenho… nada restando. Você é o Herói. Aquele que salvou o mundo, o verdadeiro Herói.”
“Merda, herói ou qualquer coisa que seja, primeiro vamos parar o sangramento. Seus ferimentos são profundos.”
Ronan murmurou uma maldição ao ver os ferimentos no braço dela. Sob a carne rasgada, um osso branco aparecia. Segurando seus ombros com ternura, Ronan gentilmente a pressionou contra a parede mais uma vez.
“Estou acabada. Não há esperança.”
“O quê? Você me chamou pelo meu primeiro nome, pedindo ajuda.”
“Eu só queria saber o destino do monstro. Como eu disse, eu não tenho mais esperança.”
“Ainda assim, devemos dar o nosso melhor.”
Ronan tirou a camisa. Seu corpo bem treinado estava coberto de cicatrizes, parecidas com as de uma fera selvagem. Ele começou a rasgar a camisa em tiras com a intenção de usá-las como bandagens improvisadas.
“Você é muito teimoso.”
“Vou te avisar antecipadamente, vai doer muito. Você pode gritar ou até desmaiar.”
“Não importa. Se você vai fazer isso, faça rápido.”
“Entendido.”
Usando o pano rasgado, Ronan amarrou firmemente as áreas que precisavam ser estancadas. Cada vez que o tecido apertava, o sangue se acumulava e escorria das feridas.
****
“Definitivamente… estou me sentindo um pouco melhor. A tontura é menos intensa do que antes.”
“Isso é um alívio.”
Os dois estavam sentados lado a lado em uma pedra. As bandagens enroladas no corpo de Adeshan pareciam ter melhorado sua aparência em comparação com antes.
“Não imaginei que você não iria soltar um grito sequer.”
”Ser uma Grande General não se trata apenas de aparências.”
“Parece que você tem mais senso de humor do que eu pensava.”
Ronan inclinou a cabeça como se estivesse exausto. Foi porque ele se transformou em humano com Ora? Sua velocidade de recuperação foi extraordinariamente rápida.
“Mas… parece que quem deveria ter recebido o tratamento é você, não eu.”
Ronan ficou sentado lá, vestido com apenas suas calças. Ao contrário de Adeshan, sua aparência piorava com o passar do tempo. Observando-o cuspir sangue como se estivesse cuspindo saliva, Adeshan estalou a língua.
“Tsk, neste ritmo, você está apenas aumentando o número de mortos na jornada para a vida após a morte.”
“A Grande General ainda pode sobreviver se a equipe de resgate chegar a tempo.”
“Não é a mesma coisa pra você?”
“Não, eu não vou conseguir.”
“Que base você tem para chegar a essa conclusão?”
“Bem, quando eu ouvi a voz da General e me levantei, eu senti. Eu vou morrer.”
Um sorriso surgiu nos lábios de Ronan enquanto ele dizia isso. Perplexa, Adeshan perguntou.
“Então, por que você está sorrindo enquanto diz que vai morrer em breve.”
“Bem… na verdade me sinto muito vazio, é como se estivesse prestes a desaparecer de verdade…”
Ronan baixou o olhar para a cintura. Ele não conseguia ver a espada que nunca havia tirado desde que deixou sua cidade natal. Parecia que a bainha havia sido puxada junto com a espada quando ele atacou. Estava um pouco vazio, mas ele não sentiu emoções mais fortes do que essa.
“Pelo menos tem algum significado em morrer dessa forma? Já é lamentável o suficiente perder a espada.”
“Você é uma pessoa estranha.”
Os dois trocaram várias histórias. Adeshan tinha uma maneira de pensar muito mais flexível do que imaginava. Ronan ficou surpreso quando descobriu que ela, assim como ele, vinha de uma origem comum.
“Se você sobrevivesse e pudesse retornar, tem algo que você gostaria de fazer?”
“Eu vou morrer.”
“Eu disse ‘se’.”
“Bem… eu quero ir aos Cavaleiros das Cem Rosas e ao mar. Completamente pelado.”
“Esse é um belo sonho. Algo mais?”
“Bem… eu gostaria de frequentar a Academia.”
“A Academia dos Cavaleiros?”
“Qualquer lugar. Eu quero aprender aura, usar magia uma vez…”
“É verdade que a transformação de aura não deu certo? E como você realmente conseguiu derrotar Ahaiyute?”
“Ele ficou preso em mim, então cortei suas asas. Depois disso, não foi nada de especial. Desviei de seus ataques, desviei e ataquei quando havia uma abertura.”
“Se ele tivesse ouvido isso, teria ficado furioso e desmaiado. O Grande General deveria pedir desculpas a todos os guerreiros e trabalhadores.”
”A propósito, General.”
“Sim?”
“Nossos camaradas, embora pudessem ser rudes, ainda eram indivíduos bastantes decentes.”
“Por que você está falando algo assim do nada?”
“Você poderia usar sua autoridade como Grande General para cuidar dos corpos? Os regulamentos estabelecem que os corpos dos membros caídos da unidade disciplinar são deixados como estão ou recolhidos e queimados, mas dessa vez, se não fosse por esses desgraçados, provavelmente não teríamos vencido.”
“Cabo.”
“Por favor. Seria ainda melhor se pudéssemos criar algum tipo de memorial.”
As pupilas de Ronan brilharam com um tom carmesim peculiar como o crepúsculo. Depois de olhar em seus olhos por um tempo, Adeshan acenou com a cabeça tardiamente.
“Obrigado, Grande General.”
“Hmm, se você fez uma promessa como essa, eu vou ter que achar alguma forma de sobreviver.”
“Eu… conseguirei… nem que seja pelo bem… daqueles que morreram… até mesmo…”
De repente, sangue jorrou da boca de Ronan. Claramente não era uma quantidade normal. A confusão tomou conta do rosto de Adeshan pela primeira vez.
“Ei, saia dessa.”
“A equipe de resgate… deve chegar aqui… até amanhã… então até lá…”
“Cabo, levante-se.”
Mesmo cutucando sua perna, não houve resposta.
“Você deve retornar e participar da Cerimônia de Aprimoramento de acordo com o sistema.”
Ela olhou para o perfil de Ronan. O som de seus dentes batendo eram audíveis entre seus lábios entreabertos. Seus cílios longos e escuros tremiam como velas ao vento.
“Droga.”
Adeshan virou a cabeça. Sangue escorria de seus lábios mordidos. Ela não suportava ver Ronan morrer. Ela pensou que havia ficado suficientemente indiferente depois de passar por três vidas, mas parecia que alguns traços de emoções humanas ainda permaneciam.
“General…”
Então uma voz vaga saiu da boca de Ronan. Adeshan falou com surpresa.
“Cabo, você está vivo.”
“O som da chuva… parou.”
“Hmm?”
Adeshan fechou a boca e ouviu atentamente. O som constante de batidas que ecoava incessantemente no teto havia desaparecido. Feixes de luz passavam pelas fendas nas rochas, lançando uma tonalidade avermelhada.
“Sim, parece que a chuva parou.”
“Isso é… estranho.”
“O que você quer dizer com estranho? Qual é o problema…”
Boom!
De repente, um barulho estrondoso, como se a terra e o céu estivessem tremendo, ressoou. Feixes intensos de luz caíram sobre os dois.
“O quê?”
Adeshan levantou a cabeça rapidamente. As rochas que serviam de teto desapareceram, revelando o céu noturno resplandecente com cores ardentes.
Sua expressão se contorceu quando seu olhar alcançou o céu. Uma cena inacreditável estava se desenrolando diante dela.
“Não pode ser…”
Incontáveis gigantes desciam do céu escaldante. Eles varreram as nuvens e detiveram a chuva com suas asas poderosas. Suas batidas criaram um vendaval que agitou os arredores. Seus cabelos tremiam como chamas ao vento forte.
“Os três gigantes não foram o fim disso?”
Ela olhou para os gigantes com uma expressão de desamparo. Entre eles estavam gigantes com seis ou até oito asas. Eles pareciam mais fortes que Ahaiyute à primeira vista.
“Eu vou falhar dessa vez… também?”
Um gigante descendo diretamente acima deles balançou o braço. Uma lança feita de luz disparou diretamente em direção à Adeshan. Ela fechou os olhos conformada. Ela não podia evitar e não queria.
Então uma sombra passou na frente dela.
Swoosh!
Com um som agudo de algo partindo, a lança de luz foi dividida ao meio.
Adeshan abriu os olhos. Ronan estava diante dela segurando a espada dela com força na mão trêmula.
”Cabo.”
“Você conhece alguma magia de chama ou vento…? Qualquer coisa… que possa me levantar…”
”Magia de chamas?”
”Merda! Minha espada não pode alcançá-los daqui!”
A cada respiração irregular de Ronan, um cheiro pungente de sangue enchia o ar. Era óbvio para qualquer um que ele havia ultrapassado seus limites.
No entanto, ele ainda estava pensando em brandir sua espada contra os gigantes que desciam em direção a eles.
“Minha espada não os alcançará daqui.” Essas palavras trouxeram Adeshan de volta aos seus sentidos. Ela se lançou em direção a Ronan, jogando seu corpo contra o dele. Atrás deles, uma encosta íngreme os aguardava.
Crash!
Os dois caíram encosta abaixo, entrelaçados. Quando finalmente chegaram a um terreno plano, Adeshan acabou caindo no peito de Ronan.
Ronan ficou nervoso e gritou:
“O que você está fazendo? Saia de cima de mim! Agora mesmo… Ah!
As pupilas de Ronan se contraíram. Os lábios de Adeshan cobriram os seus, e o cabelo solto dela fez cócegas em seu nariz e olhos.
”Engula.”
Ronan, surpreso, conseguiu fazer isso. Ele sentiu a pérola descer por sua garganta. No céu acima, dezenas de gigantes formavam uma formação circular, preparando-se para jogar suas lanças. Adeshan pressionou a testa contra a de Ronan e falou.
“O que você acabou de engolir é uma pérola que reverte o tempo. É o segredo que permitiu que eu, que uma vez já fui filha de um leigo, se tornasse uma Grande General. Vivi três vidas usando isso. Ela pode retroceder o tempo quatro vezes no total e já o usei três vezes, exceto uma.
“Você pode adivinhar o motivo sem eu dizer, certo?”
Adeshan gesticulou em direção ao céu. A luz ao redor deles estava se formando em forma de lanças nas mãos dos gigantes.
“Decidi contar com você. Suas peculiares habilidades de combate que nem eu, que vivi três vidas, pude compreender, acho que elas são a chave para evitar o fim. Se você quiser aprender, vá à academia Philleon. É um lugar onde se reúnem talentos extraordinários, por isso certamente lhe será útil.”
“Sobre o que você está tagarelando agora!”
“É assim que pode parecer para você. Eu pensei o mesmo no começo…”
Quando Adeshan terminou sua frase, um dilúvio de chuva caiu repentinamente do céu. As lanças existiam em quantidades correspondentes ao número de gigantes. Mesmo com as suas asas, parecia impossível evitá-los.
“A propósito, se… nos encontrarmos novamente, você pode me dizer para não fazer nada estúpido e apenas me tornar uma alfaiate?”
”Adeshan!”
Sua visão ficou branca. Seus olhos se encontraram pela última vez. A última imagem que ele viu foi dela com uma expressão estranha– nem sorrindo, nem chorando.
”Eu tentei tudo que fosse possível, mas parece que nada funciona.”
A lança voadora perfurou os dois simultaneamente.
***
Ronan levantou como se fosse impulsionado por uma mola. Ele ofegou e olhou freneticamente para o peito, mas não havia buraco.
”O-Onde é isso…?”
Ele examinou os arredores, recuperando o fôlego. O terrível campo de batalha havia desaparecido, substituído por uma encosta gramada que cheirava a pastos. Ao lado dele havia uma vara comprida do tipo usado para pastorear ovelhas.
Abaixo da colina havia uma pequena aldeia. As crianças brincavam em jangadas improvisadas no rio que contornava a aldeia.
Não demorou muito para que as memórias voltassem. Ronan recitou o nome de sua cidade natal como se estivesse chamando os falecidos.
”Nimbuten.”
Parecia que ele tinha acabado de acordar de um longo sonho. Ronan estendeu a mão e tocou os lábios. A sensação do beijo inesperado ainda persistia vividamente. As palavras de Adeshan sobre o tesouro que reverteu o tempo ecoaram em sua mente.
”Eu realmente retornei ao… passado?”
Ele apalpou todo o seu corpo. Ainda era o físico de um menino. Ronan beliscou sua coxa, girou no ar e só depois de tudo isso percebeu que a situação atual não era um sonho.
”E-Eu realmente voltei.”
As memórias o dominaram como uma inundação. A comida que comeu, as músicas que amava, o céu estrelado que olhou durante suas viagens e as pessoas que perdeu para sempre. E…
”Irmã.”
De repente, o rosto de uma pessoa apareceu em sua consciência. O fato dele ter retornado ao passado também significava que ela ainda estava viva. Sua única família. Sua gentil irmã que morreu sem poder conhecer seu irmãozinho fugitivo e que acabou perdendo a vida nas mãos dos gigantes.
”Irmã… Iril.”
Pronunciando o nome dela baixinho, Ronan agarrou o bastão. Seus passos, que inicialmente eram acelerados, logo se transformaram em uma corrida. Pouco tempo depois, a casa da sua infância apareceu.
Mas quando ele estava quase descendo à colina, um barulho irritante interrompeu seus passos.
“Traga na hora certa! Você precisa trazer o dinheiro! Não pode ser!”
”Me desculpe! Me desculpe!”
Perto do topo de uma colina próxima, meninos que pareciam ter a idade de Ronan cercavam uma criança que nem parecia ter dez anos. Eles estavam pisando nele e zombando dele. Entre os rostos sorridentes, Ronan reconheceu alguns.
”Hmm? Quem é aquele cara?”
Um deles parecia estranhamente familiar. Ele era um menino com cabelos ruivos vibrantes e, devido à sua pequena estatura, se destacava ainda mais. O nome dele era Aselle ou algo assim? Ronan esfregou o queixo e tentou relembrar memórias passadas.
”Ele não era… um mago?”
Enquanto Ronan pensava, ele deu meia-volta. Mesmo que não fosse por Aselle, ele não gostava de ver crianças intimidando outras crianças. Ele pegou uma vara e balançou-a como forma de experimento, e fez um som satisfatório.
